sexta-feira, 24 de maio de 2013

Roberta Sá


Roberta Sá

Roberta Sá é uma sambista jovem natural de Natal (RN) que se mudou ainda cedo para o Rio de Janeiro, onde mais adiante passou a dedicar-se a música, em especial o samba. A cantora possui expressão musical no Brasil e em Portugal. Já lançou cinco cd’s (1º - Braseiro, 2004; 2º - Que Belo Dia Estranho Pra Se Ter Alegria, 2007; 3º - Pra Se Ter Alegria, 2009; 4º - Quando o Canto Reza, 2010; 5º - Segunda Pele, 2012).
A música aqui escolhida para ilustrar as canções da artista faz parte do primeiro cd, Braseiro, e leva quase o mesmo nome do álbum, sendo No Braseiro (compositor Pedro Luís).  A letra pode ser encarada como um desabafo, que não é exclusivo do autor e da intérprete, revela a falta de solidariedade das pessoas umas com as outras, puxados pelos desejos individuais, profissionais e desigualdade social (brasileira). A canção ainda aborda os anseios de felicidade, onde o segredo da alegria e a compreensão entre as pessoas estariam na simplicidade como um estilo de viver.
A letra desta música merece uma especial atenção, então segue a letra completa e o link do vídeo. Para ouvir, se divertir e refletir!

NO BRASEIRO (Pedro Luís)
Roberta Sá

Mas tá um trem de doido
Êta confusão
Parece natural andar na contramão
Tão vendendo ingresso
Pra ver nego morrer no osso
Vou fechar a janela
Pra ver se não ouço
As mazelas dos outros
Perdeu-se a moral
E reina a falta de vergonha
Mania nacional
É ver o outro se dar mal
O caso de polícia
É corriqueiro, é todo dia
Felicidade é bom
Eu quero paz, justiça, alegria
Moramos no braseiro
A coisa aqui tá quente
O ano inteiro eu corro atrás
Não sei de que exatamente
Quero justiça, alegria e quero paz,
Mas com direitos iguais, como já disse Tosh
E quero mais que um milhão de amigos do RC
Como Luís e suas maravilhas do mundo quero comer
Quero me esconder debaixo da saia da minha amada
Como Martinho da Vila, em ancestral batucada
Eu quero é botar eu bloco na rua, qual Sampaio
Quero o sossego de Tim Maia, olhando um céu azul de maio
Eu quero é mel, como cantou Melodia
Quero enrolar-me em teus cabelos
Como disse Wando à moça um dia
Quero ficar no teu corpo, como Chico em Tatuagem
E quero morrer com os bambas de Ataulfo bem mais tarde
Só que bem mais tarde
(Eu quero ir pra ver Irene rir, como escreveu Veloso)


As informações são do site oficial da cantora:




Maryzélia e os Coisinhos

Maryzélia e os Coisinhos é uma banda genuinamente feirense que faz samba de qualidade agradando um público cada vez maior. A banda é composta: Maryzélia, Rodrigo Pirikito, Lucas Bass, Daniel Bento, Ivan Marrom e Junior Sabale . O início do grupo (em seus moldes atuais) se deu em novembro de 2009 e desde então eles vem ganhando força e aumentando a quantidade e a qualidade dos seus shows. Hoje em dia, os músicos, têm cadeira cativa em um bar em Feira de Santana, na avenida João Durval, todas as sextas, onde o samba começa a noite se estendendo pela madrugada, além de se apresentar em shows pela cidade e região, inclusive na Micareta de Feira.
Uma boa dica para compreender a arte do grupo é assistir o  clipe da música Ponto de Iemanjá (composição de Enézio de Deus), para quem não conhece a cantora, revela as influências que sua música recebe, onde a religiosidade é bastante presente. Ainda, durante suas apresentações, a banda, mostra que sambistas clássicos como Cartola, Beth Carvalho, Novos Baianos, Elis Regina, Bezerra da Silva, estes citados aqui são só para ilustrar, inspiram a natureza dos seus shows, basta ouvir o repertório musical e perceber a diversidade de influências dos músicos.
Maryzélia e os Coisinho faz um samba de roda repleto de alegria e importância com estilo próprio e interatividade com seu público mostrando a essência do recôncavo baiano.
Segue agora o clipe Ponto de Iemanjá, gravado no Rio Vermelho, Salvador, Bahia.

Para quem gostou de conhecer um pouco sobre Maryzélia e os Coisinho, abaixo estão alguns links que você poderá interagir e saber mais sobre sua arte.

terça-feira, 14 de maio de 2013

SUB PROJETO DE GEOGRAFIA

A geografia, como disciplina acadêmica e como componente curricular, sofreu um intenso processo de renovação a partir do último quarto do século XX, com implicações profundas nos métodos de abordagem da questão espacial, em seus temas, metodologias de abordagem do problema espacial e, claro, em sua epistemologia. Essa transformação interna da geografia se deu em meio a consolidação do processo de globalização – tributário de uma revolução tecnológica e da reorganização das relações sociais em todos os cantos do mundo – que reorganizou as diversas instituições sociais, dentre elas, a escola. A partir da década de 80 do século XX, um intenso processo de discussão curricular colocou em xeque os conteúdos e práticas das escolas, exigindo mudanças importantes na redefinição de suas finalidades; na seleção e organização de seus conteúdos; e nas práticas educativas. Essa reorganização da educação escolar teve implicações importantes em cada um dos campos de conhecimento que compõem os currículos escolares e, portanto, tem exigido, de todos aqueles comprometidos com o ensino de geografia, um esforço para adequar seus conteúdos e práticas ao novo contexto do mundo globalizado, que tem como caracaterísticas marcantes um aumento significativo na quantidade de informação produzida sobre os mais diversos aspectos do mundo contemporâneo, e no aumento da velocidade com que essa informação circula através das redes instaladas no diversos lugares, ressignificando conteúdos e reorganizando as relações sociais. Essas transformações têm exigido a ampliação do debate entre as diversas formas de conhecimento, e reorganizado o próprio processo de sua produção. Neste sentido, pensar os conteúdos escolares – mais especificamente os da geografia escolar – implica aceitarmos sua “contaminação” com as demais formas de produção de conhecimento, sem que se perca a contribuição que os saberes específicos dessa disciplina têm a oferecer na formação dos indivíduos e na sua inserção na sociedade. Para tanto, consideramos importante reconhecer a escola como um lugar de encontro de culturas (CAVALCANTI, 2002), composto por uma cultura escolar – expressa pelos documentos oficiais: leis, parâmetros, diretrizes, etc.; uma cultura da escola, que se constrói a partir das práticas institucionais – organizacionais e pedagógicas – de cada instituição situada em contexto sócio-espaciais específicos que resultam em seus projetos políticos pedagógicos, suas linhas de trabalho, etc.; e uma cultura dos sujeitos sociais – comunidade, professores e profissionais envolvidos no contexto escolar – que animam e produzem os sentidos para a educação escolar. A presente proposta visa, através de uma perspectiva dialógica, aprofundar a relação entre essas diversas culturas e, a partir desse diálogo, fazer emergir um conteúdo geográfico escolar renovado que contribua para uma aprendizagem significativa dos indivíduos, isto é, que melhore sua capacidade de leitura do espaço (de produzir juízos qualificados acerca do contexto sócio-espacial em que estão inseridos), e que se sintam convidados a nele interferir com o sentido de renová-lo. Para tanto, é necessário introduzir professores e alunos na leitura de fontes diversas de conhecimento, bem como nas diversas possibilidades e métodos de se inquirir a realidade a partir do universo das ciências sociais, com especial ênfase nas fontes da geografia. O subprojeto intitulado O ensino de geografia em tempos de globalização: o mundo em toda parte pretende: 1) Postular a escola pública de Feira de Santana como lugar de produção e troca de conhecimentos, ampliando o debate com o curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, buscando renovar as práticas educativas da escola contemporânea, com especial ênfase no ensino de geografia; 2) Proporcionar aos alunos e professores envolvidos no projeto um ambiente de reflexão sobre a geografia escolar renovada no sentido de buscar alternativas para seu ensino tanto no que se refere aos conteúdos da disciplina (métodos de abordagem da questão espacial e epistemologia da geografia escolar) como nas estratégias de trabalho. 3) Produção de materiais didáticos para o ensino de geografia que: a) atendam as demandas contemporâneas propostas para a educação escolar (construída a partir do encontro de culturas que interagem na escola); b) utilizem diferentes linguagens (música, literatura, jornais, filmes e outras) em sua confecção; c) se apropriem das novas tecnologias disponíveis no ambiente escolar para o ensino. Tais aspectos serão desenvolvidos em três escolas públicas da cidade de Feira de Santana: Instituto de Educação Gastão Guimarães; Colégio Estadual José Ferreira Pinto e Colégio Estadual Yeda Barradas Carneiro. Para tanto, os graduandos em Geografia deverão desenvolver projetos no âmbito da geografia escolar que aprofundem o diálogo entre as diversas dimensões do conhecimento que circulam nas escolas, a fim de produzir propostas e/ou materiais didáticos sobre a inserção de Feira de Santana e/ou Bahia no contexto da globalização. Para o alcance de tais intentos as ações empreendidas se desdobrarão em três etapas: A primeira etapa será para o entendimento do ambiente escolar como um encontro de culturas. Essa fase do trabalho deverá compreender: 1) através da investigação e análise dos documentos oficiais, o que propõe a cultura escolar oficial no período atual; 2) através da leitura dos documentos institucionais de cada escola, e de entrevistas com os profissionais que nela trabalham, devemos situar a cultura organizacional específica de cada de cada escola; 3) através de pesquisa qualitativa (entrevistas, observações in loco, questinários, etc.) compreender os valores, hábitos e comportamentos que compõem as práticas educativas, bem como as críticas e anseios por mudanças dos diversos grupos sociais que se inserem na escola. Dessa forma, buscar-se-á perceber que influências essa cultura organizacional escolar exerce no cotidiano da sala de aula e em que sentido auxilia ou prejudica o processo de ensino-aprendizagem. A segunda etapa deverá propor uma proposta de trabalho que articule aspectos das três culturas, isto é, a construção de uma proposta pedagógica de orientação para a produção dos materiais específicos da disciplina e/ou popostas de trabalho interdisciplinares. Essa proposta mais ampla deverá articular as diretrizes gerais presentes nos documentos oficiais, a proposta pedagógica específica de cada escola – contemplando os objetivos específicos da unidade escolar -, com o que a comunidade espera da escola como lugar de formação e cultura. A terceira etapa consiste no desenvolvimento e confecção de materiais didáticos em diferentes linguagens que sirvam para o ensino da geografia e/ou para o desenvolvimento de propostas interdisciplinares. A produção desses materiais deverá estar sob a responsabilidade dos estudantes do Curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Feira de Santana e dos professores das unidades escolares envolvidos no projeto, e sob a supervisão do professor coordenador do projeto. A avaliação dos materiais produzidos – assim como sua utilização em atividades didáticas – deverá ser feita em conjunto pelas partes envolvidas na produção dos materiais e submetida a avaliadores externos – da Universidade Estadual de Feira de Sanata e de profissionais da escola básica – para que possam discutir a adequação dos produtos, e apresentar contribuições contribuir para a reorientação das diretrizes gerais do projeto e/ou dos métodos utilizados nas atividades. 5. Ações Previstas As ações desenvolvidas ao longo do projeto e as práticas interdisciplinares vão se estruturar através de três estratégias: a) As oficinas temáticas de aspectos teórico-metodológicos do ensino de geografia, com o intuito de articular aspectos teóricos das educativas no âmbito da escola. Os sujeitos envolvidos na construção do projeto (licenciandos, professores, supervisores e professor coordenador) deverão promover quatro encontros para discutir os seguintes temas: 1) o processo de renovação da geografia: conceitos e temas; 2) A geografia vai à escola: aproximações e distanciamentos entre saber acadêmico e saber escolar; 3) metodologia(s) do ensino de geografia: entre o velho, o novo e as alternativas; 4) Materiais didáticos: tateando possibilidades. b) Oficinas de produção de materiais: A partir de produção de materiais didáticos em diferentes linguagens articulados às diretrizes das propostas pedagógicas: caderno de campo, produção de textos, materiais em ppt, mapas conceituais, maquete, trabalhos a partir da Cartografia, produzindo albuns de imagens, clipping digital, etc. c) Publicação dos materiais: os sujeitos envolvidos no projeto deverão discutir formas de publicização dos resultados obtidos em exposição e/ou apresentação em meio digitais como blogs, páginas em Internet, redes sociais, e outras. 6. Resultados Pretendidos  Elaboração de artigos científicos que incorporem os resultados das pesquisas desenvolvidas pelos alunos e professores participantes no projeto para publicação em periódicos especializados e apresentação de trabalhos em congressos reconhecidos nacional e internacionalmente;  Oficinas e/ou seminários temáticos elaborados pelos alunos da UFES que participarão do projeto com a orientação dos professores, tendo como base os seguintes eixos: ensino de geografia; produção de materiais didáticos em diferentes linguagens para o ensino de geografia  Produção e publicização das fases de elaboração do processo como um todo por meio de portfólio, documentários ou outros meios.  Produção de materiais didáticos que possar ser utilizados nas escolas em que foram produzidos e/ou em outras unidades de ensino.  Contribuir para a reflexão e discussão de aspectos que envolvam a geografia escolar e o ensino de geografia em Feira de Santana e demais localidades.  Possibilitar uma melhor qualificação do licenciando para atuar nas escolas da educação básica;  Promover o estreitamento das relações entre a UEFS e as Escolas públicas de Feira de Santana.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A origem do planeta terra - documentário


HUMBOLDT UM NATURALISTA NA AMÉRICA DO INÍCIO DO SÉCULO XIX

ISSN 1809-0362
1 4 6 | Candombá – Rev ista Virtua l, v . 1, n. 2 , p .1 4 6– 15 0 , jul – dez 2 0 05
RESENHA
UM NATURALISTA NA AMÉRICA DO INÍCIO DO SÉCULO XIX
Marcelo Oliveira de Faria*
* Mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo. Professor do curso de Li cenci atura em Geografi a das Faculdades Jorge
Amado. E-mail: tchelinho@hotmail.com
GERARD, Helferich. O cosmos de Humboldt. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. 392 p. ISBN: 8573026707.
Quando ingressei no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo, em 1984, fui apresentado, logo no primeiro semestre, a algumas idéias de um
alemão do início do século XIX, chamado Alexander Von Humboldt, sobre o qual tive de apresentar um
seminário para a disciplina Teoria e Método da Geografia. Naquela época, início dos anos 80, havia, não apenas
na Faculdade de Geografia, mas em diversas outras escolas da USP, uma certa resistência a todo pensamento
que não conduzisse à democracia e à revitalização da vida política no país. Dessa forma, a obra deste pensador,
cientista, aventureiro, viajante passou por mim sem que me chamasse muito a atenção.
Mais tarde, já próximo à década de 90, quando comecei a trabalhar com Educação Ambiental –
especialmente fazendo excursões com alunos dos Ensinos Fundamental e Médio – os relatos dos viajantes
foram aos poucos me conquistando, sendo que foi através deles que comecei a me aproximar de um período
remoto de nosso continente. Fernando de Magalhães, Cabeza de Vaca, Rugendas, e uma lista grande de outros
viajantes foram ocupando minhas leituras. Cada um à sua maneira, cada qual com suas intenções. Foi assim,
procurando resistir ao julgamento fácil das intenções e maldades dos europeus, que me dediquei à leitura dos
relatos desses homens que por aqui estiveram.
Lembro-me, quando li “The voyage of the Beagle” – chamado Beagle na América do Sul na versão em
Português – de C. Darwin, que descobri que, além dos pensamentos revolucionários daquele pensador, ali havia
também um grande aventureiro. A leitura de Darwin me fez resgatar a obra de Humboldt, pois este era
considerado por aquele como um dos mais importantes pensadores de todos os tempos. Como não havia nada
publicado do pensamento de Humboldt, deixei passar. No ano passado, passeando por uma livraria de Salvador,
vi na prateleira, o livro O Cosmos de Humboldt, de Gerard Helferich. Este é o primeiro livro de Helferich, que
trabalhou em diversas editoras de renome internacional antes de elaborar o projeto desse livro, que é resultado
M. O. Fa ria . Um n a tu ra li sta n a Amé r ic a d o in íc io d o sé c u lo XIX
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de uma grande pesquisa em torno da vida e obra de Humboldt, e uma enorme viagem pela América Latina
visitada pelo pesquisador alemão.
O livro na estante conduziu-me ao resgate de duas referências, uma de ordem pessoal e outra
profissional. Do lado pessoal, o resgate de meu seminário e de uma paixão antiga: os relatos dos viajantes sobre
o Brasil e a América do Sul. De outro lado, as várias referências ao pensamento de Humboldt que, à exceção do
seminário, nunca mais tinham ocupado minhas preocupações.
Adquirido o livro, iniciei, na companhia de Humboldt e do médico e botânico francês Aimé Bonpland,
seu companheiro de aventura, uma viagem em, pelo menos, duas perspectivas: a primeira na descoberta de um
universo, ou seria – em período pré-globalização, universo(s)? – natural e social da América do Sul no início
do século XIX. A segunda, tão apaixonante quanto a primeira, nas formas de se produzir conhecimento
científico em um período em que as fronteiras entre as diversas áreas do conhecimento, e suas especialidades,
não estavam ainda consolidadas e permitiam outras formas de indagação e caminhos de compreens ão do
mundo. A junção dessas duas perspectivas faz da obra uma grande descoberta para a compreens ão da
construção das ciências naturais modernas, ao mesmo tempo em que adianta uma série de questões que serão
retomadas, ainda que metamorfoseadas, no fazer científico do século XXI.
Após uma introdução sobre Humboldt, menino alemão, tímido e recluso, filho de pais abastados, mas
criado com a mãe, devido à morte do pai, dá-se início à trajetória de um jovem curioso no mundo das ciências.
Botânica, Geologia, Zoologia, Geografia, Astronomia, Metalurgia são alguns campos em que o jovem
Humboldt se vê embrenhado. O sonho de viajar para mundos distantes é, segundo a obra, uma verdadeira
obsessão do cientista que, em 1799, parte para a América do Sul, financiado pela coroa Espanhola.
A viagem é bastante conturbada, não apenas por questões naturais – longas calmarias e tempestades que
se sucedem ao longo do caminho –, mas também por questões de saúde – condições ruins de higiene e pouco
conhecimento sobre alimentação adequada, o que gerava pestilências – além do conflito entre espanhóis e
ingleses, que representavam sempre um perigo de encontro para quem estava a bordo de embarcações.
A chegada na América foi bastante conturbada, visto que a epidemia, a bordo do navio, exigiu uma curta
quarentena para seus tripulantes, mas percebida como longa para quem estava embarcado há mais de um mês.
Começa então uma viagem de 9.600 quilômetros através da América do Sul e da América Central,
percorrendo de barco, a pé ou no lombo de mulas uma grande área dos Andes e do Amazonas, no que hoje
compreende os territórios de Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, México e Cuba.
Tudo isso carregando uma série de instrumentos de pesquisa, como bússolas, termômetros, barômetros,
telescópios, prensas para acomodação de plantas, lupas e todo um conjunto de ferramentas para observação,
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coleta e registro de informações científicas. Além disso, uma coleção de plantas e animais que, a cada parte do
percurso aumentava, levando à irritação alguns de seus parceiros temporários, que não compreendiam a
importância de tal empreitada.
O contato de Humboldt com a floresta tropical surtiu nele um fascínio enorme, mesmo diante de
mosquitos e de um calor quase insuportável para um europeu acostumado com o clima temperado de seu país.
No entanto, diferentemente de Wallace, que no final do século XIX diria que a floresta tropical não apresenta
grandes encantos, pois não teria a graça dos campos de trigo de sua terra natal, Humboldt ficou deslumbrado
com a diversidade de cores, formas, tamanhos, cheiros, etc. que a floresta apresentava.
É interessante verificar também a curiosidade, o respeito e a atenção de Humboldt com relação aos
conhecimentos dos povos da floresta com relação à sua biodiversidade. São diversos os momentos em que
Humboldt chama a atenção para os usos da floresta por parte de seus habitantes, e sempre o faz com grande
admiração.
Além de um deslumbramento com a fauna e flora, os rios, o clima e o relevo não podiam passar
despercebidos, uma vez que Humboldt foi um dos primeiros a correlacionar os fatores abióticos com o
desenvolvimento da vida nos diferentes lugares. Assim, as anotações eram feitas de forma bastante sistemática
e começava a se compor uma Biogeografia como um campo de investigação das ciências naturais.
Como a Astronomia e a Geologia também compunham as áreas de interesses de Humboldt, ele mal
dormia às noites, buscando, através da leitura dos astros, a localização exata em que se encontrava, a fim de
oferecer maior precisão às suas observações e sistematizações. Quanto à Geologia, a descrição das diferentes
superfícies e inclinações é uma constante ao longo de todos os lugares visitados.
Humboldt, apesar de jovem – cerca de trinta anos quando esteve nessa viagem – já possuía grande
conhecimento em diversas áreas da ciência e já era um nome respeitado em toda a Europa. Seus contatos com
os diversos cientistas permitiram, por exemplo, questionar teorias, como o netunismo, para explicação dos
fenômenos ligados à formação da crosta, especialmente quando esteve pelos Andes, diante de terremotos e
erupções vulcânicas que lá ocorreram quando da sua estada, ou mesmo relatadas pelos locais, os quais
chegavam a se cansar de responder tantas perguntas elaboradas pelo jovem cientista, perguntas essas que, para
quem não conhecia a dinâmica das placas, já representavam indícios importantes do relevo da Terra como um
produto em constante processo de reelaboração.
O contato com a natureza nem sempre foi agradável, sem que, no entanto, diminuísse o interesse de
Humboldt e Bonpland por suas aventuras e descobertas. Ao longo de milhares de quilômetros de rios, piranhas
e jacarés nem sempre foram grandes companhias, sendo que o pior acompanhante sempre foram os insetos. São
diversos os momentos em que Humboldt se queixa dessa companhia, que tornava por vezes, junto com o calor,
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a viagem insuportável, não apenas pelo incômodo, mas pelas feridas e febres geradas pelas picadas diuturnas
desses bichos.
A vida na margem não era mais tranqüila. Onças apareciam com freqüência, causando sempre
problemas de localização para acampamento. Em uma passagem do livro, o cachorro de Humboldt, um mastim,
do qual ele muito gostava, desaparece após uma noite acompanhada de perto por esses grandes felinos.
Nada parecia diminuir o interesse científico de Humboldt e Bonpland. Cada aventura ou dificuldade era
matéria de reflexão e aprendizado, que, posteriormente, seriam relatados para o mundo como conhecimento
acumulado de um outro Mundo.
Ao contrário de um certo preconceito que paira com relação aos homens das ciências naturais de
ignorarem ou darem pouca importância às questões sociais, Humboldt esteve sempre preocupado com os
contornos sociais dos diferentes cenários existentes nas áreas visitadas. Suas anotações mostram uma certa
admiração pelos homens livres das sociedades da floresta, mas em um sentido bastante diferente do Bom
Selvagem de Rousseau. Havia, por parte dele, uma admiração com relação à saúde e conhecimento desses
povos sobre seus meios, sem que isso o fizesse cair em lugares fáceis de considerá-los mais virtuosos ou
melhores que os europeus. Mesmo com relação ao canibalismo, houve, por parte desse pensador, uma
curiosidade científica. Com relação aos povos indígenas das missões, há vários comentários sobre o fato de
apresentarem corpos menos saudáveis que os dos homens da floresta, o que revelava a desagregação dos seres
cativos, ou mesmo os maus tratos. A tristeza e subordinação dos povos indígenas confinados nas missões foi
observada por Humboldt em diversos lugares, e comparada à independência e auto-determinação dos povos da
floresta.
Quanto às missões e aos tratos concedidos aos povos indígenas pelos missionários, Humboldt – um
republicano de origem protestante - revela, mais de uma vez, sua discordância e indignação, o que nem s empre
pode ser discutido, visto que sua missão era financiada pela coroa espanhola, que lhe oferecia grandes regalias
em diversos lugares.
No que se refere aos procedimentos científicos, a viagem de Humboldt parece dar razão a Thomas Kuhn
quando, em seu livro “A estrutura das revoluções científicas”, advoga a idéia de que a evolução da ciência deve
ser compreendida como processo histórico de constituição de idéias em disputa, e da consolidação de uma das
possibilidades como dominante que servirá como modelo para o desenvolvimento de cada uma das áreas do
conhecimento. Humboldt viveu em um momento de grande discussão em torno de questões dos diversos
campos naturais e suas pesquisas. Se suas contribuições não serviram para a consolidação de um novo
paradigma que reorientou a produção do conhecimento no século XIX nos mais diversos campos das ciências
naturais, serviram certamente para derrubar alguns preconceitos e hipóteses equivocadas acerca do
M. O. Fa ria . Um n a tu ra li sta n a Amé r ic a d o in íc io d o sé c u lo XIX
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funcionamento da natureza. Além disso, seu trabalho de coleta de dados foi um dos mais importantes do século
XIX para o desenvolvimento das ciências naturais.
Sua obra foi referência para diversos pensadores, inclusive da envergadura de Charles Darwin, que o
tinha em grande conta. O processo de investigação sistemática da natureza e a correlação entre a vida e o
ambiente abiótico foram grandes contribuições deste cientista aventureiro que ainda traz grande contribuição
para se pensar as ciências naturais, especialmente em um momento de grande especialização, em que se fala em
romper fronteiras do conhecimento.
O Cosmos de Humboldt traz até nós um grande personagem que foi, ao mesmo tempo, cientista e
aventureiro. A viagem em sua companhia pode ser feita no sentido de compreender os caminhos da ciência do
início do século XIX, ou de uma grande aventura em terras que, em certo sentido, ainda permanecem por ser
descobertas. Boa Leitura!